O caso em que a curvatura se anula
Vejamos agora que pressupostos adicionais são necessários para garantir a unicidade da curva, no caso em que a curvatura se pode anular.
Seja \(f:\, I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\). Designemos por \(Z_{f}\) o conjunto de zeros da função \(f\). \[Z_{f}=\left\{ s\in I,f(s)=0\right\} \]
Teorema 1: Sejam \(P_{0}\) um ponto de \(\mathbb{R}^{3}\) e \(TF_{0}\) um triedro ortonormado com orientação positiva. Seja \(k:\, I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\) uma função contínua, não negativa, que tenha um número finito de zeros, ou seja, uma função que verifique \[Z_{k}=\left\{ s_{1},s_{2},s_{3},s_{4},...,s_{n}\right\} \] Seja \(\tau:\, I\setminus Z_{k}\rightarrow\mathbb{R}^{3}\) uma função contínua.
Seja \(TF_{s}=\left(T_{s},N_{s},B_{s}\right)\) o Triedro de Frenet associado ao instante \(s\in I\setminus Z_{k}\).
Seja \(TF_{s_{i}}=\left(T_{s_{i}},N_{s_{i}},B_{s_{i}}\right)\) um triedro ortonormado com orientação positiva, associado ao instante \(s_{i} \in Z_{k}\), que verifica \[lim_{s\rightarrow s_{i^{-}}}T_{s}=T_{s_{i}}\]
Então, existe
uma e uma só curva \(C^{2}\),
\(c:\, I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\),
parametrizada pelo comprimento de arco, cuja função curvatura
é \(k\), cuja função torção é
\(\tau\), cujo ponto inicial é
\(P_{0}\),
cujo Triedro de Frenet inicial é \(TF_{0}\) e cujos Triedros de Frenet nos instantes \(s_{i}\)
são os triedros \(TF_{s_{i}}\).
Dem. Uma vez que a função \(f\) tem um número finito de zeros, os zeros de \(f\) são todos pontos isolados e portanto basta fazer a demonstração para o caso em que a função tem um único zero.
Seja \(s_{1}\in I=\left[I_{0},I_{1}\right]\) o zero da função.
A curva em \(\left[I_{0},s_{1}\right[\) é única e \(C^{2}\) (T. F. Curvas).
A curva em \(\left]s_{1},I_{1}\right]\) é única e \(C^{2}\) (T. F. Curvas) - note-se que agora \(TF_{0}=TF_{s_{1}}\) e \[lim_{s\rightarrow s_{1^{-}}}c(s)=P_{0}.\]
Falta agora estudar o que acontece no ponto \(s_{1}\).
A curva definida em \(I\) é \(C^{1}\) pela restrição imposta à escolha do triedro associado ao instante \(s_{1}\) (e que obriga a que a tangente varie "suavemente" em \(s_{1}\)).
Como a função curvatura é contínua e tende para zero em \(s_{1}\), tem-se \[lim_{s\rightarrow s_{1^{-}}}f''=(0,0,0)\] e \[lim_{s\rightarrow s_{1^{+}}}f''=(0,0,0).\]
Tem-se ainda \(k(s_{1})=0\), ou seja, \(f''(s_{1})=(0,0,0)\)
e portanto a curva é \(C^{2}\).
QED
App
3D (\(k\geq 0\), nº
finito zeros)
Teorema 2: Sejam \(P_{0}\) um ponto de \(\mathbb{R}^{3}\) e \(TF_{0}\) um triedro ortonormado definido positivamente. Seja \(k:\, I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\) uma função contínua, não negativa, cujo conjunto de zeros é da forma \[Z_{k}=\{s_{i}\}_{i=1,...,N}\cup\{[a_{j},b_{j}]\}_{j=1,...,M},\] onde \(b_{j-1}<a_{j}<b_{j}<a_{j+1}\) e \(s_{i}\) não pertence a nenhum dos intervalos \([a_{j},b_{j}]\) (para todo \(i\) e \(j\)).
Seja \(\tau:\, I\setminus Z_{k}\rightarrow\mathbb{R}^{3}\) uma função contínua.
Seja \(TF_{s}=\left(T_{s},N_{s},B_{s}\right)\) o Triedro de Frenet associado ao instante \(s\in I\setminus Z_{k}\).
Seja \(TF_{s_{i}}=\left(T_{s_{i}},N_{s_{i}},B_{s_{i}}\right)\) um triedro ortonormado com orientação positiva, associado ao instante \(s_{i}\in Z_{k}\), que verifica \[lim_{s\rightarrow s_{i^{-}}}T_{s}=T_{s_{i}}\]
Seja \(TF_{b_{i}}=\left(T_{b_{i}},N_{b_{i}},B_{b_{i}}\right)\) um triedro ortonormado com orientação positiva, associado ao instante \(b_{i}\), que verifica \[lim_{s\rightarrow b_{i^{-}}}T_{s}=T_{b_{i}}.\]
Então, existe
uma e uma só curva \(C^{2}\), \(c:\, I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\),
parametrizada pelo comprimento de arco, cuja função curvatura
é \(k\), cuja função torção é
\(\tau\), cujo ponto inicial é
\(P_{0}\),
cujo Triedro de Frenet inicial é \(TF_{0}\) e cujos Triedros de Frenet nos instantes \(s_{i}\)
são os triedros \(TF_{s_{i}}\)
e cujos Triedros de Frenet nos instantes \(b_{i}\)
são os triedros \(TF_{b_{i}}\).
Dem. Uma vez que a situação dos pontos isolados já foi estudada no teorema anterior e o número de intervalos que compõem \(Z_{f}\) é finito, basta fazer a demonstração para o caso em que \(Z_{f}=[a_{1},b_{1}]\).
Seja \(I=\left[I_{0},I_{1}\right]\).
A curva em \(\left[I_{0},a_{1}\right[\) é única e \(C^{2}\) (T. F. Curvas).
A curva em \(\left]a_{1},b_{1}\right[\) é um segmento de recta (curvatura nula) e portanto \(C^{\infty}\) (T. F. Curvas). Para que a curva seja \(C^{1}\), este terá que ter o seu ínicio em \[lim_{s\rightarrow a_{1^{-}}}c(s)\] e que ter a direcção de \[lim_{s\rightarrow a_{1^{-}}}T_{s}\]
Logo, o segmento de recta considerado é único.
A curva em \(\left]b_{1},I_{1}\right]\) é única e \(C^{2}\) (T. F. Curvas) - note-se que agora \(TF_{0}=TF_{b_{1}}\) \[P_{0}=lim_{s\rightarrow b_{1^{-}}}c(s)=\mbox{extremo "final" do segmento de recta}.\]
A curva definida em \(I\) é \(C^{1}\) pela escolha do segmento de recta e pela restrição imposta à escolha do triedro associado ao instante \(b_{1}\).
Como a função curvatura é contínua e tende para zero em \(a_{1}\) e \(b_{1}\), tem-se \[lim_{s\rightarrow a_{1^{-}}}f''=(0,0,0)\] e \[lim_{s\rightarrow b_{1^{+}}}f''=(0,0,0).\]
Tem-se ainda que \(k\left(\left[a_{1},b_{1}\right]\right)=0\), ou seja, \(f''\left(\left[a_{1},b_{1}\right]\right)=(0,0,0)\)
e portanto a curva é \(C^{2}\).
QED
App 3D \((k\geq 0)\)