Postulado das paralelas

Há cerca de 2300 anos atrás, o matemático grego Euclides escreveu a obra matemática mais famosa e influente de todos os tempos: Os Elementos. Em treze livros, Euclides expõe resultados de Geometria Euclidiana, e não só, usando um sistema lógico-dedutivo constituído por postulados, noções comuns, proposições e teoremas. Um desses postulados, o 5º Postulado, conhecido como o Postulado das Paralelas, levantou desde logo alguma controvérsia devido à sua natureza mais complexa e menos intuitiva.

5º Postulado de Euclides: "Se uma linha recta, encontrando-se com outras duas rectas, fizer os ângulos internos da mesma parte menores que dois rectos, estas duas rectas, produzidas ao infinito concorrerão para a mesma parte dos ditos ângulos internos." (Euclides [3])

Ao longo dos séculos, foram várias as tentativas de provar este postulado a partir dos restantes, ou então de o substituir por outro mais simples. Matemáticos como John Wallis (1616-1703), Saccheri (1667-1733), Lambert (1728-1777), John Playfair (1748-1819) e Legendre (1752-1833) não resolveram esta questão, mas dos seus trabalhos resultou um conjunto de proposições equivalentes ao 5º Postulado (presumindo a veracidade dos outros postulados da Geometria Euclidiana).

Um dos axiomas equivalentes ao 5º Postulado de Euclides que é usado nos livros modernos foi dado por Playfair:

Dado um ponto \(P\) que não está numa recta \(r\), existe uma só recta no plano de \(P\) e \(r\) que contém \(P\) e que não intersecta \(r\). (Kline, 1972 [4])

No início do século XIX, alguns matemáticos, incluindo o alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855), notaram que o Postulado das Paralelas não poderia ser provado nem como verdadeiro nem como falso com base nos outros postulados da Geometria Euclidiana, ou seja, o Postulado das Paralelas seria independente dos restantes. Seria então possível desenvolver uma nova geometria a partir de um sistema axiomático que contivesse uma alternativa ao Postulado das Paralelas. Mas foram Lobatschewski (1792-1856) e János Bolyai (1802-1860) que, de forma independente, publicaram pela primeira vez os resultados de uma nova geometria não Euclidiana (Rosenfeld, 1976 [5]), conhecida actualmente por Geometria Hiperbólica.

A Geometria Hiperbólica obtém-se substituindo o Postulado das Paralelas pelo seguinte axioma:

Axioma Hiperbólico: Dada uma recta e um ponto exterior à recta, existem, pelo menos, duas rectas distintas contendo o ponto dado e paralelas à recta dada.

Os trabalhos de Lobatschewski e János Bolyai não foram devidamente reconhecidos na altura e só em 1870, cerca de quatro décadas depois das primeiras publicações, quando se tornaram conhecidas as notas e a correspondência de Gauss acerca do assunto, depois da sua morte, é que a descoberta das geometrias não Euclidianas mereceu a devida atenção [5].

Apesar do valor inegável dos trabalhos de Lobatschewski e János Bolyai, eles não demonstraram a consistência da Geometria Hiperbólica, ou seja, que o sistema axiomático não conduz a nenhuma contradição [5] .

A consistência das geometrias não Euclidianas prova-se com a existência de modelos, que se obtêm a partir da atribuição de interpretações aos chamados termos primitivos (pontos, rectas...) de modo a transformar os axiomas em afirmações verdadeiras à luz dessas interpretações. Por exemplo, neste trabalho é apresentado um modelo da Geometria Esférica onde os pontos são pontos da esfera e as rectas são círculos máximos.

Em 1868, Eugenio Beltrami (1835-1900) apresentou o primeiro modelo para a Geometria Hiperbólica [5]. A existência desse modelo revelou que se a Geometria Hiperbólica contém alguma contradição então essa contradição poderia ser transposta para a Geometria Euclidiana. Admitindo então que a Geometria Euclidiana é consistente, deduz-se assim que a Geometria Hiperbólica também o é.

Em 1882, Henri Poincaré (1854-1912) apresentou um segundo modelo da Geometria Hiperbólica: o modelo de Poincaré num semi-plano [5].

Outra possibilidade é substituir o Postulado das Paralelas pelo seguinte axioma:

Axioma Elíptico: Dada uma recta e um ponto exterior à recta, não existe nenhuma recta contendo o ponto dado e paralela à recta dada.

Bernhard Riemann (1826-1866) foi o primeiro a reconhecer a Geometria Esférica como um tipo de geometria não Euclidiana onde não existem rectas paralelas. Contudo, ao contrário do que acontece na Geometria Hiperbólica e na Geometria Euclidiana, na Geometria Esférica duas rectas (dois círculos máximos) distintas não se intersectam em apenas um ponto mas sim em dois pontos antípodas, não se verificando portanto o primeiro postulado de Euclides que implica que dois pontos definem uma única recta. Em 1871, o matemático alemão Felix Klein (1849-1925) resolveu esta questão propondo uma modificação da Geometria Esférica: a identificação de pontos antípodas, ou seja, um ponto é um par de pontos antípodas na esfera e uma recta é um círculo máximo com todos os pares de pontos antípodas identificados (ou um semi-círculo máximo com os seus extremos identificados). A esta nova geometria Klein chamou Geometria Elíptica. (Coxeter, 1998 [6]).

A descoberta das geometrias não Euclidianas teve consequências muito importantes, quer matemáticas quer filosóficas, principalmente no que diz respeito aos fundamentos da matemática. A partir dessa altura, surgiram vários sistemas axiomáticos, sendo o mais famoso o de David Hilbert (1862-1943), Fundamentos da Geometria, cuja estrutura tem marcadamente a influência de Euclides. Hilbert denomina por Geometria Absoluta (tal como János Bolyai) ou Neutra a geometria que é comum às Geometrias Hiperbólica e Euclidiana. De facto, existem diferenças substanciais entre estas geometrias e a Elíptica. Por exemplo, em Geometria Neutra a existência de rectas paralelas é um teorema, o que não é válido em Geometria Elíptica. (Blumenthal, 1980 [7]).