Demonstração

Consideremos naturais \(B\geq 2\) e \(D\), as representações dos naturais em base \(B\) e a transformação \(f_{D,B} : N_{D} \rightarrow N_{D}\) definida anteriormente. Tem-se:

(a) Existe um natural \(D\) tal que a função \(f_{D,B}\) tem pontos fixos não nulos se e só se \(B\) não for congruente com \(1\) módulo \(3\).

(b) Se \(f_{D,B}\) tem um ponto fixo não nulo, então ele tem representação \(a_{D-1}a_{D-2}...a_{1}a_{0}\) na base \(B\) que verifica:

- se \(B\) é um múltiplo de \(3\), então \(a_{D-1} = 0\) e \(a_{0} = 0\), ou \(a_{D-1} = \frac{B}{3}\) e \(a_{0} = \frac{2B}{3}\);

- se \(B\) é congruente com \(2\) módulo \(3\), então \(a_{D-1}=0\) e \(a_{0}=0\), ou \(a_{D-1}=\frac{B-2}{3}\) e \(a_{0}=\frac{2B-1}{3}\).

Em particular, na base \(10\), \(f_{D}\) tem um só ponto fixo, \(0\), qualquer que seja \(D\).


Fixemos um natural \(B\geq 2\) (a base) e um natural \(D\) par. Os pontos fixos da função \(f_{D,B}\) são as soluções \(n\) da equação \(f_{D,B}(n)=n\), ou, equivalentemente, das equações \(i_{D}(n)=n\) e \(i_{D}(n)=2n\). Seja \(a_{D-1}a_{D-2}...a_{1}a_{0}\) a representação de \(n\), na base \(B\), com \(D\) dígitos de \(\{0,1,...,B-1\}\). Estas equações são equivalentes às duas igualdades seguintes: \[(B^{D-1} - 1)(a_{D-1}-a_{0}) + (B^{D-2} - B)(a_{D-2}-a_{1}) +...+\left (B^{\frac{D}{2}} - B^{\frac{D}{2}-1}\right)\left(a_{\frac{D}{2}}-a_{\frac{D}{2}-1}\right) =\\ B^{D-1}a_{D-1} + B^{D-2}a_{D-2} + ... + B^{\frac{D}{2}}a_{\frac{D}{2}} +...+ Ba_{1} + a_{0}\] ou \[(B^{D-1} - 1)(a_{0}-a_{D-1}) + (B^{D-2} - B)(a_{1}-a_{D-2}) +...+\left (B^{\frac{D}{2}} - B^{\frac{D}{2}-1}\right)\left(a_{\frac{D}{2}-1}-a_{\frac{D}{2}}\right) =\\ B^{D-1}a_{D-1} + B^{D-2}a_{D-2} + ... + B^{\frac{D}{2}}a_{\frac{D}{2}} +...+ Ba_{1} + a_{0}.\]

A primeira equação é equivalente a \[a_{D-1} + Ba_{D-2} + ... + B^{D-2}a_{1} + B^{D-1}a_{0} = 0\] e dela concluímos que \(a_{D-1}=0=a_{D-2}=...=a_{1}=a_{0}\), obtendo-se o ponto fixo \(0\) de \(N_{D}\). A segunda equação é equivalente a \(i_{D,2}(x)=2x\) e reescreve-se como \[B^{D-1} a_{0} + B^{D-2} a_{1} + ... + B a_{D-2} + a_{D-1} = \\B^{D-1}(2a_{D-1}) + B^{D-2}(2a_{D-2}) +...+ B^{\frac{D}{2}}\left(2a_{\frac{D}{2}}\right) +...+ B(2a_{1}) + 2a_{0}. \mbox{(#)}\]

Temos assim uma igualdade entre uma representação na base \(B\), no lado esquerdo, e uma soma de potências de \(B\) entre \(0\) e \(D-1\) com coeficientes que são o dobro dos de \(n\), no lado direito. Daqui deduzimos de imediato algumas condições necessárias para que \(n\) seja um ponto fixo:

      - se \(2a_{0}\) tem mais do que dois dígitos na base \(B\), o dígito \(a_{D-1}\) é o último algarismo da representação de \(2a_{0}\) na base \(B\);
      - \(2a_{D-1} = a_{0}\) ou \(2a_{D-1} + 1 = a_{0}\).

Da primeira e última destas condições deduzimos ainda que:


Neste caso, como \(0\leq a_{D-1}\leq B-1\) e \(a_{D-1} < \frac{B}{2}\), só temos duas possibilidades para a equação \(3a_{D-1} = Bk\) com \(k\) inteiro não-negativo (uma vez que ela implica que \(0\leq k<\frac{3}{2}\)): ou \(k=0\), e então \(a_{D-1} = 0\) e \(a_{0} = 0\); ou \(k=1\) e \(a_{D-1} = \frac{B}{3}\), o que só é possível se \(B\) é múltiplo de \(3\), e \(a_{0} = \frac{2B}{3}\).


Neste caso, \(B\) não pode ser múltiplo de \(3\), ou o primo \(3\) dividiria \(3a_{D-1} + 2\), logo seria divisor de \(2\). Além disso, como \(0\leq a_{D-1}\leq B-1\) e \(a_{D-1} < \frac{B}{2}\), só um valor inteiro não negativo \(k\) satisfaz a igualdade \(3a_{D-1} + 2 = Bk\): \(k=1\) e \(a_{D-1}=\frac{B-2}{3}\), o que só é possível se \(B\) é congruente com \(2\) módulo \(3\), e, portanto, \(a_{0} = \frac{2B-1}{3}\). Efectivamente, \(0\leq k\leq 2\) (porque devemos ter \(\frac{3B}{2} + 2 > Bk\), isto é, \(k < \frac{3}{2} + \frac{2}{B} \leq \frac{3}{2} + \frac{2}{2} = \frac{5}{2}\)); e, se \(k=0\), a equação \(3a_{D-1} + 2 = Bk\) não é possível; se \(k=2\), então \(a_{D-1} = 2\frac{B-1}{3}\), igualdade válida só se \(B\) é congruente com \(1\) módulo \(3\) (logo \(B\geq 4\)), e \(a_{0} = \frac{4B-1}{3} = B + \frac{B-1}{3} \geq B + 1\), o que não é permitido a um dígito na base \(B\).

Vejamos dois exemplos. Consideremos \(D=2\) e \(B=2\). Como \(B\) é congruente com \(2\) módulo \(3\), o argumento anterior indica como construir um ponto fixo não nulo \(a_{1}a_{0}\): basta considerar \(a_{1} = \frac{B-2}{3} = 0\) e \(a_{0} =\frac{2B-1}{3} = 1\). E \(01\) é de facto um ponto fixo de \(f_{2,2}\). Fixemos agora \(D=2\) e \(B=3\). O argumento anterior indica que se a representação \(a_{1}a_{0}\) na base \(B\) é um ponto fixo, então \(a_{1} = \frac{B}{3} = 1\) e \(a_{0} = \frac{2B}{3} = 2\). Mas \(12\) (na base \(3\)) não é um ponto fixo porque o reverso de \(n\) é \(21\), que é ímpar (na base \(10\)). Quando \(D=2\) e \(B=6\), um candidato a ponto fixo é \(24\) (na base \(6\)), mas, apesar de par, não verifica a equação (#). Em geral, se \(B\) é múltiplo de \(3\), então \(f_{2,B}\) não tem pontos fixos não nulos uma vez que teriam de ser representados por \(a_{1}a_{0}\), sendo \(a_{1} = \frac{B}{3}\) e \(a_{0} = \frac{2B}{3}\), e verificar a igualdade (#), que neste caso é \[B a_{0} + a_{1} = B\,(2a_{1}) + 2a_{0}\] ou seja, \[ B\frac{2B}{3} + \frac{B}{3} = B\frac{2B}{3} + \frac{4B}{3}\] \[\frac{1}{3}= \frac{4}{3}.\]

Pelo contrário, quando \(B\) é congruente com \(2\) módulo \(3\), a transformação \(f_{2,B}\) tem um (e um só) ponto fixo não nulo: é representado na base \(B\) por \(a_{1}a_{0}\), sendo \(a_{1} = \frac{B-2}{3}\) e \(a_{0} = \frac{2B-1}{3}\), que verifica a igualdade (#) uma vez que \[\begin{array}{cl} & Ba_{0}+a_{1}=B\,\left(2a_{1}\right)+2a_{0}\\ \Leftrightarrow & B\frac{2B-1}{3}+\frac{B-2}{3}=B\left(2\frac{B-2}{3}\right)+2\frac{2B-1}{3}\\ \Leftrightarrow & 0=0 \end{array}\]

A condição de \(B\) não ser congruente com \(1\) módulo \(3\), necessária para que exista algum \(D\) par tal que \(f_{D,B}\) tenha um ponto fixo distinto de \(0\), é também suficiente. Consideremos um tal natural \(B\geq 2\); falta apenas garantir a existência de um tal ponto fixo para valores de \(B\) que são múltiplos de \(3\). Procuremo-lo para \(f_{4,B}\).

Seja \(a_{3}a_{2}a_{1}a_{0}\) um elemento de \(N_{4}\) na base \(B\). Para verificarmos se é ponto fixo e não nulo, há que analisar cada um dos seguintes casos.

Caso 1: \(a_{3} = 0\) e \(a_{0} = 0\).

A igualdade (#) \[B^{3} a_{0} + B^{2} a_{1} + B a_{2} + a_{3} = \\ B^{3}\times 2a_{3} + B^{2}\times 2a_{2} + B\times 2a_{1} + 2a_{0}\] reduz-se a \[B^{2}a_{1} + B a_{2} = B^{2}\times 2a_{2} + B\times 2a_{1}\] ou seja, \[B a_{1} + a_{2} = B\times 2a_{2} + 2a_{1} \] equação que, para se obter um ponto fixo não nulo, exige que \(a_{1} = \frac{2B}{3}\) e \(a_{2} = \frac{B}{3}\). Contudo, como vimos, estes valores não satisfazem a igualdade (#).

Caso 2: \(a_{3} =\frac{B}{3}\) e \(a_{0} = \frac{2B}{3}\).

A igualdade (#) é agora \[B^{3} \frac{2B}{3} + B^{2} a_{1} + B a_{2} + \frac{B}{3} =\\ B^{3}\frac{2B}{3} + B^{2}\times 2a_{2} + B\times 2a_{1} + \frac{4B}{3}\] ou seja, \[B^{2} a_{1} + B a_{2} = B^{2}\times 2a_{2} + B\times 2a_{1} + B\] que se reduz a \[B a_{1} + a_{2} = B\times 2a_{2} + 2a_{1} + 1.\]

Esta equação pode ser agora analisada como (#), obtendo-se

Da primeira e última destas condições concluímos que:


Mas, como \(0\leq a_{D-2}\leq B-1\) e \(a_{2} < \frac{B}{2}\), a igualdade \(3a_{2} + 1 = Bk\) para um inteiro não negativo \(k\) implica que \(k < \frac{3}{2} + \frac{1}{B} \leq \frac{3}{2} + \frac{1}{2} = 2\), resultando daqui que \(k\) pode ser \(0\) (valor não permitido porque \(3a_{2} + 1\) não é zero) ou \(k=1\) (valor não permitido porque, por hipótese, \(B\) não é congruente com \(1\) módulo \(3\)).


Como \(0\leq a_{D-2}\leq B-1\) e \(a_{D-2} < \frac{B}{2}\), temos apenas um valor admissível para um inteiro não negativo \(k\) que satisfaça a igualdade \(3a_{2} + 3 = Bk\): \(k=1\), e portanto \(a_{2} = \frac{B}{3}-1\) e \(a_{1} = \frac{2B}{3}\). Ou seja, \(f_{4,B}\) tem um (e um só) ponto fixo não nulo, com representação na base \(B\) dada por\[\left(\frac{B}{3}\right)\left(\frac{B}{3}-1\right)\left(\frac{2B}{3}-1\right)\left(\frac{B}{3}\right).\]

Por exemplo, se \(B=6\), o número \(2134\) é o ponto fixo não nulo de \(f_{4,6}\).