Introdução
Num triângulo plano \(\triangle ABC\), a igualdade entre os ângulos \(\angle B=\angle A\) é equivalente a uma relação simples entre os dois lados opostos a esses ângulos, \(|AC| = |BC|\). E se \(\angle B = n \, \angle A\) para algum natural \(n\)?
Esta foi a questão que Euler considerou em 1765 no artigo [1], de 35 páginas, que no índice de Eneström está catalogado como E324. Euler começa por tratar alguns casos particulares, de \(n=1\) a \(n=5\), apercebendo-se de que há um padrão nas equações que vai obtendo. Todavia, resume a apresentação aos valores de \(n\) até \(13\) e não apresenta uma demonstração completa das equivalências que afirma serem válidas. Por isso, vale a pena regressar a este problema.
Dado um triângulo \(\triangle ABC\), com vértices \(A,B,C\), designemos por \(a\), \(b\) e \(c\) os comprimentos dos lados opostos a \(A\),\(B\) e \(C\), respectivamente. Recordemos como se pode deduzir geometricamente que a igualdade \(\angle B = \angle A\) é equivalente a \(a=b\).
Comecemos por supor que \(\angle B = \angle A\) e tracemos o segmento \(CP\) perpendicular à recta que contém o lado \(AB\) (figura 1a), construindo desse modo dois triângulos, \(\triangle APC\) e \(\triangle BPC\), que são rectângulos e semelhantes, de ângulos \(\angle A,\frac{\pi}{2}\) e \(\frac{\pi}{2} - \angle A\). Além disso, têm em comum o lado \(CP\), que se corresponde pela semelhança. E, portanto, são triângulos congruentes, com \(a=b\). Reciprocamente, se \(a=b\), consideremos o ponto médio \(M\) do lado \(AB\) (figura 1b) e o segmento que o une a \(C\). Os triângulos \(\triangle AMC\) e \(\triangle BMC\) são congruentes, logo, em particular, \(\angle B = \angle A\).
\[\frac{|AC|}{|BC|}=\frac{|AB|}{|BQ|}=\frac{|BC|}{|CQ|}\] ou seja,\[\frac{b}{a}=\frac{c}{|BQ|}=\frac{a}{|CQ|}\] e, consequentemente, \(|BQ|=\frac{ac}{b}\) e \(|CQ|=\frac{a^{2}}{b}\). Além disso, por construção, \(|AC| = |AQ| + |CQ|\), isto é, \(|AQ|=b-\frac{a^{2}}{b}\). E, no triângulo \(\triangle ABQ\), tem-se \(\angle B = \angle A\), logo \(|AQ| = |BQ|\). Substituindo nesta igualdade os valores anteriores, obtemos \(b-\frac{a^{2}}{b}=\frac{ac}{b}\) ou seja, \(b^{2}-a^{2} = ac\). Reciprocamente, suponhamos que no triângulo \(\triangle ABC\), de lados correspondentes \(a\), \(b\) e \(c\), vale a igualdade \(b^{2}-a^{2} = ac \). Então \(b>a\) e, portanto, no lado \(AC\) podemos fixar um ponto \(Q\) tal que o ângulo \(\angle QBC\) é igual a \(\angle A\). Desse modo, criamos um triângulo \(\triangle BQC\) semelhante a \(\triangle ABC\), logo, como vimos, \[|BQ|=\frac{ac}{b},|CQ|=\frac{a^{2}}{b} \mbox{ e } |AQ|=b-\frac{a^{2}}{b}.\]Como por hipótese \(b-\frac{a^{2}}{b}=\frac{ac}{b}\), isto é, \(|AQ| = |BQ|\), sabemos que o triângulo \(\triangle AQB\) é isósceles, com \(\angle ABQ = \angle A\). Daqui resulta que, no triângulo \(\triangle ABC\), se tem \(\angle B = 2 \angle A\).
Este texto é uma versão ligeiramente modificada do seguinte artigo publicado pelo Atractor na Gazeta de Matemática