Homotopias
O que há de essencial no caminho numa superfície \(S\) é a aplicação de \([0,1]\) sobre a superfície, e a interpretação "cinemático-formigal" que temos feito é apenas uma imagem intuitiva, tão boa como outra qualquer. É agora útil uma nova interpretação intuitiva: um elástico graduado. Pensamos a graduação com extremidades assinadas com \(0\) e \(1\), associando a cada posição do elástico a aplicação que a cada \(t\) de \([0,1]\) associa a posição do ponto do elástico correspondente à graduação \(t\). A vantagem desta interpretação é a de permitir utilizar a ideia de variação ao longo do tempo para pensar em deformações da disposição do elástico.
Esta analogia permite-nos, então, pensar numa noção importante para o desenvolvimento destas páginas: a deformação contínua. Vendo o caminho como um elástico sobre uma superfície e fixando os pontos inicial e final, podemos arrastá-lo, encolhê-lo e esticá-lo sempre sobre a superfície. Os resultados destas acções vão sendo caminhos, obviamente diferentes, no entanto, com alguma coisa em comum: o facto de se poderem deformar continuamente uns nos outros.
Matematicamente, esta noção tem o nome de homotopia e dois caminhos dizem-se homotópicos se existe uma homotopia entre eles. A homotopia reflecte o tal arrastar, encolher e esticar. Em cada instante destas acções o elástico descreve um novo caminho, e este é imagem, de alguma forma, da homotopia.
Podemos ainda olhar a aplicação de outro modo, concentrando atenções em cada um dos pontos… Assim, por exemplo, se marcarmos no elástico um dos seus pontos, de forma a que quando o movemos fique marcado o rasto desse ponto, podemos ver no fim das tais movimentações o percurso efectuado por esse ponto durante a deformação - a homotopia também reflecte esta visão.
Uma homotopia é, então, uma aplicação de duas variáveis, uma que é variável do caminho considerado em cada instante da deformação e outra que é variável do caminho percorrido por cada ponto ao longo das deformações. Considerando \(f\) e \(g\) dois caminhos de \([0,1]\) em \(S\), com os mesmos pontos iniciais e finais (isto é, \(f(0)=g(0)\) e \(f(1)=g(1)\)), uma homotopia \(H\) entre \(f\) e \(g\) é uma aplicação contínua de \([0,1]\times[0,1]\) em \(S\) tal que \(H(t,0)=f(t)\) e \(H(t,1)=g(t)\), que em cada instante da deformação mantém as extremidades fixadas (isto é, \(H(0,x)=f(0)=g(0)\) e \(H(1,x)=f(1)=g(1)\), para todo o \(t\) de \([0,1]\)).
Quer isto dizer que, vendo \(x\) de \([0,1]\) como o parâmetro temporal da deformação, no instante inicial (\(x=0\)) a imagem de \(H\) é o caminho \(f\) e no instante final (\(x=1\)) a imagem de \(H\) é o caminho \(g\), e, como \(H\) é contínua, para cada \(x_{0}\) de \(]0,1[\), fixado de modo arbitrário, a imagem de \(H\) (isto é, \(H(t,x_{0})\)) será um daqueles caminhos obtidos pelo arrastar, encolher e esticar do elástico.
Por outro lado, fixando \(t_{0}\) de \([0,1]\) de modo arbitrário, a imagem de \(H\) (isto é, \(H(t_{0},x)\)) é um caminho (contínuo) que descreve o movimento do ponto \(f(t_{0})\) até \(g(t_{0})\) - um daqueles caminhos marcados pelo rasto de um ponto do elástico.
Conjugando as duas ilustrações, para cada \((t_{0},x_{0})\) de \([0,1]\times[0,1]\) a imagem por \(H\) é um ponto no espaço \(S\), correspondendo à posição do movimento do ponto \(f(t_{0})\) no instante \(x_{0}\) da deformação.
Em cada superfície e para cada par de pontos (inicial e final), os caminhos podem ser arrumados na mesma gaveta ou em gavetas diferentes consoante são ou não homotópicos. Estas gavetas dizem-se classes de equivalência. Dois caminhos numa superfície (com os mesmo pontos inicial e final) são aqui equivalentes se forem homotópicos, isto é, se se puderem deformar continuamente um no outro.