As órbitas são fechadas
O nosso sistema não é resolúvel explicitamente, ou seja, não conseguimos determinar as funções \(x\) e \(y\) de \(t\). No entanto, uma análise qualitativa fornece informação suficiente sobre as órbitas \((x,y)\) que nos permite concluir que são fechadas. O segredo está na expressão simples da inclinação dos vectores do campo \(V\), como função do ponto \((x,y)\) dada por \[\frac{dy}{dx}=\frac{(-C+Dx)y}{(A-By)x}\]no complementar de \(y=\frac{A}{B}\) (onde os vectores do campo são verticais) e \(x=0\) (que biologicamente não interessa, pois estamos a supor que há fanecas). Esta é uma equação diferencial separável; comecemos por resolvê-la: \[\begin{array}{ll} \frac{dy}{dx}=\frac{(-C+Dx)y}{(A-By)x}\Longleftrightarrow\frac{A-By}{y}\frac{dy}{dx}=\frac{-C+Dx}{x}\\ \Longleftrightarrow\left(\frac{A}{y}-B\right)\frac{dy}{dx}=-\frac{C}{x}+D\\ \Longleftrightarrow A\ln y-By=-C\ln x+Dx+k_{1} & k_{1}\mbox{ constante real}\\ \Longleftrightarrow\ln y^{A}+\ln x^{C}=By+Dx+k_{1}\\ \Longleftrightarrow\ln\left(y^{A}x^{C}\right)=By+Dx+k_{1}\\ \Longleftrightarrow y^{A}x^{C}=e^{By+Dx+k_{1}}\\ \Longleftrightarrow y^{A}x^{C}=e^{By}e^{Dx}k & k\in\mathbb{R}^{+}\\ \Longleftrightarrow\frac{y^{A}}{e^{By}}\frac{x^{C}}{e^{Dx}}=k & k\in\mathbb{R}^{+} \end{array}\]
Concluímos, assim, que as órbitas \((x,y)\) estão contidas em curvas de nível da função \[\begin{array}{cccc} H: & \mathbb{R}^{2} & \rightarrow & \mathbb{R}^{2}\\ & (x,y) & \rightarrow & \frac{y^{A}}{e^{By}}\frac{x^{C}}{e^{Dx}} \end{array}\]
O próximo passo é, então, estudar esta função \(H\). Para isso, notemos que \(H(x,y)=f(y)g(x)\) sendo \(f(y)=\frac{y^{A}}{e^{By}}\) independente de \(x\) e \(g(x)=\frac{x^{C}}{e^{Dx}}\) independente de \(y\). Podemos, assim, escrever a equação anterior como \(f(y)g(x)=k\), onde \(k\) é constante positiva.
Estudemos o comportamento da função \(f\) (conclusões análogas para a função \(g\) que só difere de \(f\) nas constantes \(C\) e \(D\)):
- \(f(0)=0\)
- \(f(y)>0\) para todo o \(y>0\)
- \(lim_{y\rightarrow+\infty}f(y)=0\)
- \(\begin{array}{cl} f'(y)=0 & \Longleftrightarrow\frac{y^{A-1}(A-By)}{e^{By}}=0\\ & \Longleftrightarrow y^{A-1}(A-By)=0\\ & \Longleftrightarrow y=0\vee y=\frac{A}{B} \end{array}\)
- \(f\) atinge o valor máximo absoluto \(M_{f}\) e apenas em \(y=\frac{A}{B}\)
Designemos por \(M_{g}\) o valor máximo absoluto de \(g\), que é atingido apenas em \(x=\frac{C}{D}\), e analisemos as soluções da equação \(f(y)g(x)=k\).
Quando \(k>M_{f}M_{g}\) , o conjunto \(H^{-1}(\left\{ k\right\})\) é vazio.
Se \(k=M_{f}M_{g}\), tendo em conta que os máximos são atingidos só em \(y=\frac{A}{B}\) e \(x=\frac{C}{D}\), respectivamente, a equação \(f(y)g(x)=M_{f}M_{g}\) tem uma única solução \((\frac{C}{D},\frac{A}{B})\).
Resta-nos analisar o que acontece quando \(k<M_{f}M_{g}\). Ora, um tal \(k\) pode escrever-se como o produto \(\lambda M_{f}\), para algum \(0<\lambda<M_{g}\). Deste modo, \[f(y)g(x)=k\Leftrightarrow f(y)g(x)=\lambda M_{f}\Leftrightarrow f(y)=\frac{\lambda}{g(x)}M_{f}\]
Tendo em conta o esboço do gráfico de \(f\) , interessa distinguir os casos em que:
- \(\frac{\lambda}{g(x)}M_{f}<M_{f}\), ou seja \(\frac{\lambda}{g(x)}<1\), ou ainda \(g(x)>\lambda\);
- \(\frac{\lambda}{g(x)}M_{f}=M_{f}\), ou seja \(\frac{\lambda}{g(x)}=1\), ou ainda \(g(x)=\lambda\);
- \(\frac{\lambda}{g(x)}M_{f}>M_{f}\), ou seja \(\frac{\lambda}{g(x)}>1\), ou ainda \(g(x)<\lambda\).
Notemos, antes de mais, que no primeiro caso o conjunto \(f^{-1}\left(\left\{ \frac{\lambda}{g(x)}M_{f}\right\} \right)\) tem dois elementos, \(y_{1}\) e \(y_{2}\) , com \(y_{1}<\frac{A}{B}<y_{2}\); no segundo caso, é um conjunto singular, reduzindo-se a \(\left\{ \frac{A}{B}\right\}\) e no terceiro é vazio.
Analisemos agora a igualdade \(g(x)=\lambda\). Ora, para \(0<\lambda<M_{g}\), ela tem duas soluções que designamos por \(x_{m}\) e \(x_{M}\), com \(x_{m}<\frac{C}{D}<x_{M}\). A inequação \(g(x)>\lambda\) é equivalente a \(x_{m}<x<x_{M}\); dualmente, \(g(x)<\lambda\) corresponde a \(x<x_{m}\) ou \(x>x_{M}\).
Conjugando as informações sobre \(x\) e \(y\) em cada um dos casos, concluímos que a equação \(f(y)g(x)=\lambda M_{f}\) tem soluções \((x,y)\) sendo
- \(x_{m}<x<x_{M}\) e \(y=y_{1}\) ou \(y=y_{2}\), com \(y_{1}<\frac{A}{B}<y_{2}\);
- \(x=x_{m}\) ou \(x=x_{M}\) e \(y=\frac{A}{B}\)
e não tem solução para os valores de \(x<x_{m}\) ou \(x>x_{M}\).
Para finalmente deduzir que a curva-solução é fechada, basta, agora, mostrar que os valores de \(y_{1}\) e \(y_{2}\), ordenadas de \(x^{*}\in]x_{m},x_{M}[\), se aproximam de \(\frac{A}{B}\) quando \(x^{*}\) tende para os extremos do intervalo. Ora, quando \(x^{*}\) se aproxima de \(x_{m}\) (ou \(x_{M}\)), \(g(x^{*})\) aproxima-se de \(\lambda\), e, portanto, \(\frac{\lambda}{g(x^{*})}\) tende para \(1\). Assim, \(f(y_{1})=f(y_{2})=\frac{\lambda}{g(x^{*})}M_{f}\) tende para \(M_{f}\), e, portanto, \(y_{1}\) e \(y_{2}\) convergem para \(\frac{A}{B}\).