Parametrização da curva loxodrómica

\(\DeclareMathOperator{\sen}{sen}\) \(\DeclareMathOperator{\tg}{tg}\) \(\DeclareMathOperator{\cotg}{cotg}\)

Existem várias definições de curva no sentido matemático. Por exemplo, podemos pensar numa curva enquanto conjunto de pontos que verificam uma determinada condição, como por exemplo uma circunferência. Contudo, ser-nos-á mais útil adoptar um outro tipo de definição: a de curva enquanto parametrização de um conjunto (esta parametrização pode, por exemplo, ter origem na descrição do movimento de uma partícula).

Neste trabalho, definimos curva como uma função \(\gamma:\,I\rightarrow\mathbb{R}^{3}\), onde \(I\subseteq\mathbb{R}\) é um intervalo, que a cada valor do parâmetro \(t\in I\) faz corresponder um ponto \(\gamma\left(t\right)\in\mathbb{R}^{3}\). Supomos ainda que as curvas são suaves, isto é, admitem derivadas de todas as ordens.

O contradomínio da curva é denominado por traço da curva. Note-se que diferentes curvas, isto é, com parametrizações diferentes, podem ter o mesmo traço.

As parametrizações das curvas loxodrómicas usadas neste trabalho dependerão da colatitude ou da longitude, ou seja, a posição de um ponto da curva dependerá univocamente da sua colatitude ou da sua longitude.

A curva loxodrómica é uma curva na esfera cuja característica essencial é fazer um ângulo constante com todos os meridianos que intersecta. Dois casos distintos podem surgir: a curva loxodrómica ser perpendicular aos meridianos e, neste caso, a sua parametrização será dada em função da longitude (\(\theta\)); nos casos restantes, a parametrização será dada em função da colatitude (\(\varphi\)).

Considere-se a esfera com centro na origem \(O\) do refeferencial \(Oxyz\) e raio \(r>0\). Designaremos esta esfera por \(\mathbb{S}^{2}\).

Seja \(\ell_{\alpha}\) uma curva loxodrómica cujo ângulo de intersecção com os meridianos é \(\alpha\). Considere-se um ponto P fixo mas arbitrário do traço de \(\ell_{\alpha}\), com coordenadas esféricas \((r,\theta_{P},\varphi_{P})\).

Note-se que, se \(\ell_{\alpha}\) passasse num dos pólos, \(\ell_{\alpha}\) intersectaria todos os meridianos nesse pólo. Para a curva loxodrómica fazer um ângulo constante com os meridianos, a curva teria de ter velocidade nula nos pólos e o ângulo com os meridianos não estaria definido. Assim, supomos sempre que os pólos não pertencem à curva. Portanto, vamos considerar \(\varphi_{P}\in\ ]0\,,\pi[\).

Seja \(m\) o meridiano que intersecta a curva \(\ell_{\alpha}\) no ponto \(P\). Uma parametrização do meridiano \(m\) que passa em \(P\) é a seguinte:

\[m(\varphi)=\left(r\cos\left(\theta_{P}\right)\sen\varphi\,,\, r\sen\left(\theta_{P}\right)\sen\varphi\,,\, r\cos\varphi\right),\] com \(\varphi\in]0\,,\pi[\).

O meridiano \(m\) e a curva \(\ell_{\alpha}\) intersectam-se em \(P\) fazendo um ângulo com amplitude \(\alpha\). Consideremos dois casos distintos: no primeiro, suponhamos \(\alpha=\frac{\pi}{2}+n\pi\), para algum \(n\in\mathbb{Z}\), ou seja, a curva \(\ell_{\alpha}\) é perpendicular aos meridianos; no segundo caso, consideremos \(\alpha\neq\frac{\pi}{2}+n\pi\), para todo \(n\in\mathbb{Z}\).

1. \(\alpha=\frac{\pi}{2}+n\pi\), para algum \(n\in\mathbb{Z}\)

Como a curva loxodrómica é perpendicular aos meridianos, a sua parametrização será dada em função da longitude, ou seja,

\[\ell_{\alpha}\left(\theta\right)=\left(r\cos\theta\sen\left(\varphi(\theta)\right)\,,\,r\sen\theta\sen\left(\varphi(\theta)\right)\,,\, r\cos\left(\varphi(\theta)\right)\right),\]

onde a colatitude \(\varphi\) é uma função do parâmetro \(\theta\), \(\varphi:\,\left[0\,,2\pi\right]\rightarrow\ ]0\,,\pi[\).

O ângulo entre duas curvas na esfera pode ser determinado calculando o ângulo entre os vectores tangentes às respectivas curvas no ponto de intersecção e este, por sua vez, pode ser obtido através do produto escalar dos dois vectores.

Como \(\ell_{\alpha}\) e m são perpendiculares em \(P\), então \(\ell_{\alpha}^{\prime}\left(\theta_{P}\right)\,|\, m'\left(\varphi_{P}\right)=0\). Note-se que \(\varphi(\theta_{P})=\varphi_{P}\).

Temos que:

\[\begin{array}{rccl} \ell_{\alpha}^{\prime}(\theta_{P}) & = & & r\,\varphi'\left(\theta_{P}\right)\left(\cos\left(\varphi_{P}\right)\cos\left(\theta_{P}\right)\,,\cos\left(\varphi_{P}\right)\sen\left(\theta_{P}\right)\,,\,-\sen\left(\varphi_{P}\right)\right)\\ & & + & r\left(-\sen\left(\theta_{P}\right)\sen\left(\varphi_{P}\right)\,,\,\cos\left(\theta_{P}\right)\sen\left(\varphi_{P}\right),0\right) \end{array}\]
e

\[m'(\varphi_{P})=r\left(\cos\left(\varphi_{P}\right)\cos\left(\theta_{P}\right)\,,\,\cos\left(\varphi_{P}\right)\sen\left(\theta_{P}\right)\,,\,-\sen\left(\varphi_{P}\right)\right)\,.\]

Fazendo alguns cálculos, obtém-se \(\varphi'(\theta_{P})=0\).

Sendo \(P\) um ponto arbitrário do traço de \(\ell_{\alpha}\), vem que \(\varphi(\theta)\) é constante e, fazendo a substituição \(\varphi(\theta_{P})=\varphi_{P}\), obtemos \(\varphi\left(\theta\right)=\varphi_{P}\).

Portanto, se \(\alpha=\frac{\pi}{2}+n\pi\), uma parametrização de \(\ell_{\alpha}\) é dada por:

\[\begin{array}{ccll} \ell_{\alpha}: & [0\,,2\pi] & \longrightarrow & \mathbb{S}^{2}\\ & \theta & \mapsto & \left(r\cos\theta\sen\left(\varphi_{P}\right)\,,\, r\sen\theta\sen\left(\varphi_{P}\right)\,,\, r\cos\left(\varphi_{P}\right)\right)&. \end{array}\]

Neste caso, o traço da curva \(\ell_{\alpha}\) corresponde a um paralelo com colatitude igual a \(\varphi_{P}\).

Curva loxodrómica cujo traço corresponde a um paralelo.

Se \(\varphi_{P}=\frac{\pi}{2}\), o traço da curva é a linha do Equador.

Note-se que, ao contrário do que é sugerido pela notação, a curva \(\ell_{\alpha}\) apresentada depende não só de \(\alpha\) como também de \(\varphi_{P}\). Optou-se por este abuso de notação para simplificar a escrita.

2. \(\alpha\neq\frac{\pi}{2}+n\pi\), \(n\in\mathbb{Z}\)

Neste caso, a parametrização de \(\ell_{\alpha}\) será dada em função da colatitude* \(\varphi\in\ ]0\,,\pi[\):

\[\begin{array}{ccll} \ell_{\alpha}: & ]0\,,\pi[ & \longrightarrow & \mathbb{S}^{2}\\ & \varphi & \mapsto & \left(r\cos\left(\theta_\alpha\left(\varphi\right)\right) \sen\varphi\,,\, r\sen\left(\theta_\alpha\left(\varphi\right)\right)\,,\, r\cos\varphi\right)&,\end{array}\]

com a longitude \(\theta_\alpha\) a depender do parâmetro \(\varphi\), \(\theta_\alpha:\ ]0\,,\pi[\rightarrow\mathbb{R}\).

Como já foi referido no ponto anterior, o ângulo entre duas curvas na esfera corresponde ao ângulo entre os vectores tangentes às respectivas curvas no ponto de intersecção. Assim,

\[\cos\alpha=\frac{\ell_{\alpha}^{\prime}\left(\varphi_{P}\right)\,|\,m'\left(\varphi_{P}\right)}{\Vert\ell_{\alpha}^{\prime}\left(\varphi_{P}\right)\Vert\times\Vert
m'\left(\varphi_{P}\right)\Vert}\,.\]

Temos que:

\[\begin{array}{rccl}
\ell_{\alpha}^{\prime}(\varphi_{P}) & = & & r\,\theta'_\alpha\left(\varphi_{P}\right)\left(-\sen\left(\theta_{P}\right)\sen\left(\varphi_{P}\right)\,,\,\cos\left(\theta_{P}\right)\sen\left(\varphi_{P}\right),0\right)\\ & & + & r\left(\cos\left(\varphi_{P}\right)\cos\left(\theta_{P}\right)\,,\,\cos\left(\varphi_{P}\right)\,\sen\left(\theta_{P}\right)\,,\,-\sen\left(\varphi_{P}\right)\right)
\end{array}\]
e
\[m'(\varphi_{P})=r\left(\cos\left(\varphi_{P}\right)\cos\left(\theta_{P}\right)\,,\,\cos\left(\varphi_{P}\right)\,\sen\left(\theta_{P}\right)\,,\,-\sen\left(\varphi_{P}\right)\right)\,.\]

Fazendo alguns cálculos, vem que

\[\cos\alpha=\frac{1}{\sqrt{1+\left[\theta'_\alpha\left(\varphi_{P}\right)\right]^{2}\sen^{2}\left(\varphi_{P}\right)}}\;.\] Como \(\cos\alpha\neq0\) e \(\varphi_{P}\in\ ]0\,,\pi[\), vem que \[\begin{array}{rcl}
\left(\theta'_\alpha(\varphi_{P})\right)^{2}\sen^{2}\left(\varphi_{P}\right) & = & \frac{1}{\cos^{2}\left(\alpha\right)}-1\Leftrightarrow\\ \theta'_\alpha(\varphi_{P}) & = & \pm\frac{\tg\alpha}{\sen\left(\varphi_{P}\right)}.
\end{array}\]

Se \(\alpha\) for múltiplo inteiro de \(\pi\), então \(\theta'_\alpha(\varphi)=0\) para todo \( \varphi \). Se \(\alpha\) não for múltiplo inteiro de \(\pi\), \(|\theta'_\alpha(\varphi_{P})|\geq|\tg\alpha|>0\), logo \(\theta'_\alpha\) terá sinal constante. Por considerações de carácter geométrico, escolhemos \(\theta'_\alpha(\varphi)=-\frac{\tg\alpha}{\sen\varphi}\) para \( \varphi \in ]0\,,\pi[\).

Integrando em ordem a \(\varphi\), vem que \(\theta_\alpha(\varphi)=\tg\alpha\ln\left(\cotg\frac{\varphi}{2}\right)+k\), para alguma constante \(k\in\mathbb{R}\). Como \(\theta_\alpha(\varphi_{P})=\theta_{P}\), tem-se que \(k=\theta_{P}-\tg\alpha\ln\left(\cotg\frac{\varphi_{P}}{2}\right)\).

Portanto, se \(\alpha\neq\frac{\pi}{2}+n\pi\), com \(n\in\mathbb{Z}\), uma parametrização de \(\ell_{\alpha}\) é dada por:

\[\begin{array}{ccll}
\ell_{\alpha}: & ]0\,,\pi[ & \longrightarrow & \mathbb{S}^{2}\\
& \varphi & \mapsto & \left(r\cos\left(\theta_\alpha\left(\varphi\right)\right)\sen\varphi\,,\,
r\sen\left(\theta_\alpha\left(\varphi\right)\right)\sen\varphi\,,\, r\cos\varphi\right)
\end{array}\,,\]

com \(\theta_\alpha(\varphi)=\theta_{P}+\tg\alpha\left[\ln\left(\cotg\frac{\varphi}{2}\right)-
\ln\left(\cotg\frac{\varphi_{P}}{2}\right)\right]\).

Note-se que, quando \(\alpha=0\), o traço da curva coincide com um meridiano (sem os pólos) pois, nesse caso \( \theta_\alpha\) é constante, \(\theta_\alpha(\varphi)=\theta_{P}\).

Nos restantes casos (\(\alpha\neq\frac{\pi}{2}+n\pi\), com \(n\in\mathbb{Z}\)), o traço da curva loxodrómica assume a forma de uma espiral em torno dos pólos pois, quando \(\varphi\rightarrow0^{+}\) ou quando \(\varphi\rightarrow\pi^{-}\), \(\theta_\alpha(\varphi)\rightarrow\infty\), de onde se conclui que a curva dá infinitas voltas em torno do eixo dos zz.

Curva loxodrómica cujo traço tem a forma de uma espiral.

Apesar de já termos visto que, se a curva for regular (isto é, se a sua velocidade for sempre não nula), os pólos não podem pertencer ao traço da curva (supondo que a propriedade da curva fazer ângulo constante com os meridianos se mantém), é possível estender a curva loxodrómica de modo a conter os pólos.

De facto, se \(\alpha\neq\frac{\pi}{2}n\), \(n\in\mathbb{Z}\), apesar de \(\lim_{\varphi\rightarrow0^{+}} \theta_\alpha\left(\varphi\right)=\pm\infty\) e de \(\underset{\varphi\rightarrow\pi^{-}}{\lim}\theta_\alpha\left(\varphi\right)=\pm\infty\), \(\underset{\varphi\rightarrow0^{+}}{\lim}\ell_{\alpha}\left(\varphi\right)=\left(0,0,r\right)\) e \(\underset{\varphi\rightarrow\pi^{-}}{\lim}\ell_{\alpha}\left(\varphi\right)=\left(0,0,-r\right)\).

Logo, é possível estender \(\ell_{\alpha}\) a \(\left[0\,,\pi\right]\) de forma contínua. No entanto, essa nova curva não tem a propriedade de fazer ângulo constante com os meridianos que intersecta, precisamente nos pontos com \(\varphi=0\) e \(\varphi=\pi\) correspondentes aos pólos.

*Note-se que, se \(\alpha\neq\frac{\pi}{2}+n\pi\), para todo \(n\in\mathbb{Z}\), então não haverá dois pontos da curva com a mesma colatitude.